segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

APOSTA NO DESASTRE


Grupo: Cadeiras Voadoras
Parte 1

A História sem Censura dos Aventureiros Medievais de Vaalamuria




Marko: quando eu era moleque, minha mãe costumava me levar até aquela praça com as fontes de fogo, onde tem a estátua do mago Gwynn. Ela adorava contar as histórias dele. Dizia que devíamos ter muito orgulho, que ele era o maior herói do nosso país e tudo o mais. Um dia me irritei e escarrei na estátua. Até hoje tenho a cicatriz na boca do tapão que ela me deu.
Byron: meu pai era gravurista e minha mãe tocava na banda do rei. Toda a minha família estava envolvida com arte, direta ou indiretamente. Tive muita sorte. Passei pela pintura, pelo teatro, pela escrita, mas foi realmente a música que me pegou. Um tio me ensinou a dedilhar, mas não conseguiu me convencer a aprender partituras. Eu não queria tocar as músicas dos outros, no máximo, tocar só as que eu gostava e já sabia de ouvido. Então meu tio me desafiou a compor uma música numa única noite para que, assim, ele desistisse de me ensinar partituras. Foi aí que saiu “Rasgando a Partitura”.
Selena: eu tinha doze anos quando fui enviada para a UAU – a Universidade Arcana de Ullinera. Fomos recebidos nos alojamentos com trotes, a maneira dos veteranos de dizer “Olá! Sofremos um bocado na nossa estreia e agora é a vez de vocês!” Algumas brincadeira eram inofensivas, como tinta mágica na nossa cara e alguns feitiços fedorentos. Porém, no terceiro dia de aula, fizeram uma pequena festa piromântica e alguns alunos lançaram fogo nos cabelos das alunas. Era magia ilusória, claro. Mas uma das garotas entrou em pânico e correu para a piscina. Jogou-se de cabeça justamente na parte rasa. A testa dela se abriu e a água ficou da cor rosa. E alguém foi preso? Alguém foi punido? Não, a diretoria da escola disse que a menina tinha ficado bêbada e que foi tudo um trágico acidente. E quem presenciou a cena passou por lavagem cerebral dos magos sêniores. Eu escapei porque me escondi e nunca contei isto para ninguém. De que adiantaria? Era a minha palavra contra a de todo o Campus.
Byron: não consegui convencer meu tio de que eu não precisava da partitura para tocar, então não tive escolha a não ser aprender. Desenvolvi rápido minhas habilidades e comecei a acompanhar a minha mãe até o castelo do rei e vê-la tocar. Depois comecei a tocar junto com ela. Por fim, com quatorze anos, eu já fazia solos para sua majestade. Foi quando compus a horrível “Ode à Coroa”, só para agradar ao rei. A pior coisa que já compus, mas era uma melodia razoável. A primeira garota que eu comi foi graças a ela.
Darin: acho que foi logo depois de uma aula estúpida sobre parafusos que eu decidi que não queria ser ferreiro ou ferramenteiro. Estava farto daquilo. Farto de ouvir todos os dias que eu tinha que seguir a profissão do clã. Que eu tinha que seguir os desígnios que meus ancestrais haviam traçado para mim. Que merda! A vida era minha, em primeiro lugar, não era? Por que um bando de anões mortos deveria guiar o meu destino?! Decidi que eu ia guiar minha vida  a partir de agora... nem que fosse na direção de um buraco!
Parte 2
Selena: quando cheguei na capital eu fiquei deslumbrada. Estava muito ansiosa para pegar o cargo de assistente do mago da corte. Ansiosa e irritada. Eu tinha trauma de magos desde a época da UAU. Mas era tarde demais para mudar o ofício. Acho que, no fundo, nunca tive escolha. Então me esforcei para passar no teste. O mago Aimando gostou de mim, elogiou o decote nas pernas do meu manto e me colocou para dentro do quarto dele no castelo.
Byron: perguntei quem era aquela linda aprendiz que costumava desfilar pela corte de vez em nunca. O velho Aimando se recusava a falar conosco, pobres mortais sem magia, mas a garota era gentil. Alias eu podia sentir pelo tom de voz dela que ela precisava de um ombro amigo, alguém com sensibilidade que pudesse tocar sua alma, e outras coisas mais. Quando Aimando nos pegou juntos ele convenceu o rei a me despedir. Velho rancoroso! Aposto que nunca conseguiu erguer aquele cajado murcho na vida.
Darin: fui levar uma encomenda de umas facas de caçador até a casa de um cliente de meu pai. Acho que estava tentando cortar caminho, ou algo assim. Mas quando dei por mim já estava andando numa rua deserta. Ou quase deserta. Uns quatro humanos começaram a me seguir. Tentei fugir, mas eles me pegaram. Tentei usar as facas, mas acabei quase morto. Acho que levei umas sete facadas que, por um milagre, não me acertaram nenhum ponto vital. E ainda tive que me levantar da rua sozinho e procurar ajuda, andando com minhas próprias pernas enquanto sangrava feito um porco. Parei na primeira casa que encontrei e o dono se recusou a me ajudar, dizendo que não queria se envolver com o que quer que fosse aquilo. Foi uma merda, mas tenho que confessar: chorei. Tive que chorar para ele ficar com pena de mim e me socorrer. Depois alguém me enviou para um templo e quando acordei a primeira coisa que meu pai me perguntou, nervoso, foi: “Você perdeu as facas?!”
Marko: minha mãe usava uns dez anéis nos dedos. Foi por causa deles que fiquei com uma cicatriz na boca quando ela me bateu com as costas da mão na praça. Lógico que ela se arrependeu e tudo, mas eu ainda tinha muita raiva dela. Tenho até hoje. Um dia roubei um dos anéis da caixa de joias, um que fazia tempo que ela não usava, e vendi para um receptor de pedrarias. Se eu tivesse pedido o dinheiro ela teria me dado, mas eu queria puni-la pelo que ela tinha feito semanas antes. Consegui dezesseis coroas e fui ver o show dos bardos na Taverna Jarro Cheio. O lugar era um pulgueiro, mas os bardos eram muito bons. Foi neste dia que conheci o Byron.
Byron: meus pais tentaram interceder em minha causa, mas era inútil. O rei me despediu. Comecei então a ganhar alguns trocados tocando em tavernas. A primeira onde me tornei um trabalhador mais assíduo foi a Jarro Cheio. Marko me contou, alguns anos depois, que foi lá que nos conhecemos. Mas eu não me lembro dele. Quer dizer, ele não é do tipo que passa despercebido, então não sei se ele estava mentindo. Acho que não tinha barba naquela época, mas já devia ser o bronco desajeitado que é até hoje.
Marko: não sei da onde as pessoas tiravam de que o Byron era bom músico. Ele não tocava merda nenhuma, mas tinha um rosto bonito. Era o cara que mais ganhava gorjetas da mulherada. Então ele saia com as três ou quatro que tinham dado as somas maiores e as comia na adega. Gigolozinho barato! Mas achei a ideia dele muito boa, então decidi que, assim que voltasse para casa, roubaria mais uns anéis da minha mãe para comprar um alaúde e virar bardo também. Hahaha, hoje é ridículo pensar que eu poderia ser bardo, mas pensei na possibilidade. Pena que, quando cheguei, ela tinha dado pelo roubo e despediu todos os empregados da casa. Fiquei muito mal com isto, mas nunca contei a ela que quem tinha roubado o anel tinha sido eu.
Parte 3
Darin: foram os piores dias da minha vida. Claro que depois passei por outras experiências de quase-morte nos anos seguintes, mas aquela foi a pior. Eu estava ferido de corpo e alma. Não tinha coragem de colocar a cabeça para fora do lençol. E minha família não ajudava em nada! Viviam repetindo que, se eu já estava curado das facadas, já podia voltar a trabalhar. Eles nunca entenderam merda nenhuma! Tinha vontade era de esfaquear a eles! Lembro que, um dia, estava tão transtornado que fui até a Guilda dos Aventureiros. Queria colocar um anúncio, algo do tipo: “Jovem anão deseja a morte da família. Como remuneração podem levar todas as porcarias em encontrarem na casa.” Fora de brincadeira! Juro que quase fiz isto! Mas felizmente o chefe da guilda deve ter percebido o quanto eu estava nervoso e conversou comigo. Grande homem. Nunca mais me esqueci do velho Percy.
Selena: fiquei triste quando Byron foi embora da corte, mas eu costumava ir até a taverna Jarro Cheio na minha folga e o via tocar. Ele sempre queria repetir aquilo que fizemos em cima da mesa de alquimia do mestre Aimando, mas eu não lhe dei mais oportunidades. Mesmo assim continuamos amigos. “Amigos coloridos”, mas ainda amigos.
Marko: decidi que nunca mais ia depender do dinheiro da minha mãe. Arrumei um bico na loja de ferrarias do anão Bhatrar e conheci o Darin. Fiquei pouco tempo lá, acho que umas duas semanas, mas eu e o Darin continuamos camaradas. Ele também parecia estar de saco cheio de ficar martelando ferro e não parecia nem um pouco disposto a seguir a profissão da família. Foi quando ele veio com esta ideia de ser aventureiro.
Selena: Byron estava com problemas de dinheiro e eu não estava mais disposta a emprestar nada. Então ele veio com a ideia de aventuras. Convidou-me para fazer parte de um grupo que ele estava montando. Eu disse que não podia, pois tinha o meu emprego na corte. Na época sugeri para ele pegar o Cailan, que era aprendiz como eu e seria posto na rua por corte de despesas. Se eu soubesse o que iria acontecer, jamais teria feito aquilo.
Byron: Percival Lawrence era o chefe da Guilda dos Aventureiros. Ele contou que, se eu quisesse ingressar nisso, teria que entrar em um grupo de aventureiros já formado ou começar um. Coagi dois colegas bardos a fazer parte da minha equipe e convidei Selena para ser a nossa maga. Ela recusou e mandou aquele bisonho do Cailan no lugar.
Marko: ele me contou depois. A primeira missão do grupo do Byron, foi, digamos assim... catastrófica! Hahaha! E o pior é que era a coisa mais simples do mundo! Acho que tinham que colher alguns ingredientes para um alquimista na floresta ou coisa assim.
Byron: fomos mandados para a Bosque do Precipício a fim de caçar alguns animais raros para servir de troféu para um caçador preguiçoso demais. Infelizmente éramos três bardos e um mago, o que significava pouca habilidade combativa. Vendo hoje parece óbvio, mas achei que estávamos preparados. Cailan acabou morrendo durante a nossa fuga, trespassado por um chifre de veado branco. Lamentei sua morte. Lamentei mesmo.
Darin: comecei o meu treinamento com espada e escudo logo depois. Percy era um grande guerreiro e um ótimo professor. Marko começou a vir comigo. Ele era muito grande, mesmo para um humano, e se deu muito bem manejando a espada de duas mãos. Ficamos um mês fazendo treinamento e, no final de uma das aulas, apareceram uns três bardos informando o fracasso de sua missão e a morte de um dos membros do grupo.
Selena: um dia, disse a Aimando que não ia mais chupá-lo por debaixo da mesa durante as reuniões com o rei. Por isso ele me mandou embora. Fiquei feliz por alguns segundos por me livrar dele, mas logo depois fiquei triste. Onde eu iria trabalhar agora? O jeito foi ir até a Guilda dos Aventureiros.
Marko: lembro perfeitamente da nossa primeira reunião! Byron percebeu que Darin ficou encantado com Selena e começou a fazer piadinhas indecorosas e racistas. O baixinho ficou fulo da vida! Passou a mão numa cadeira e jogou na cabeça dele. Cara, aquilo foi inesperado! Quando olhei... ZUM! Uma cadeira na cabeça do bardo! Quando olhei de novo... BAM! Uma segunda cadeira! Era o que ele tinha à mão, já que sua espada e escudo estavam guardados. Percy teve que interromper a briga, mas apesar de tudo tínhamos fechado um acordo. Agora éramos um grupo e escolhemos o nosso nome em homenagem àquela ocasião “Cadeiras Voadoras”! Estranho, mas realmente pegou!
Byron: Darin nunca teve humor. Eu sempre disse que isto ia acabar matando ele...


Autora- JUSSARA GONZO, do blog punhado de contos: http://ads.tt/LB04pw

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